Platão e a Analogia da Linha dividida.

César Rangel
7 min readAug 18, 2021

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O mundo das Sombras e o mundo das Ideias.

Prólogo:

Platão de Atenas (428? — 347? a.C.) pertence ao segundo período da filosofia antiga, conhecido como socrático, clássico ou antropológico em (V-IV a.C):

  • É considerado o maior discípulo de Sócrates;
  • Opõem-se aos sofistas contemporâneos;
  • Escreve em forma de diálogo, cujo maior protagonista é Sócrates;
  • Busca estabelecer como conhecimento verdadeiro o que é em si;
  • Seus principais temas são Teoria do Conhecimento (epistemologia), educação e Política, e outros secundários.

Ele é amplamente considerado a figura central na história do período grego antigo e da filosofia ocidental, juntamente com seu mentor, Sócrates e seu pupilo Aristóteles; ajudando a construir os alicerces da filosofia natural, da ciência e da filosofia ocidental.

  1. Teoria das Ideias.

Inicialmente o principal objetivo de Platão foi tentar estabelecer uma síntese original entre o pensamento dialético de Heráclito (correspondendo na linha dividida ao Mundo das Sombras) e o pensamento metafísico de Parmênides (correspondendo na linha dividida ao Mundo das Ideias).

Esta síntese original que Platão desenvolveu passando pelas obras (Mênon, Fédon e a República), mostrou que as ideias do pensamento fluído e dialético de Heráclito não estavam em contradição com o pensamento epistêmico e metafísico de Parmênides — sendo antes visões diferentes de uma mesma realidade.

Realidade esta que se apresenta sob duas formas possíveis, a saber, a pensada (relativa ao “eidos” — ideias) e a sentida (relativa aos “ phainomenon” — observado). Ademais a filosofia de Platão apresentar fundamentos nas ideias matemáticas de Pitágoras.

Em outras palavras, Platão vê a realidade composta de uma dupla face de conhecimento:

  • O Mundo das Sombras, ou melhor, das imagens observáveis dos fenômenos, por meio dos sentidos, da indução e do sentir dialético das cópias; o conhecimento dos dados brutos da realidade, a opinião (doxa), referindo-se ao que é para min— isto é, imperfeito; o devir heracletiano.
  • O Mundo das Ideias, ou melhor, do inteligível e das formas, por meio da razão, do pensar ou da dedução; o conhecimento verdadeiro (episteme), referindo-se ao que é em si — isto é, perfeito; o ser parmediano.

Breve definição dos dois mundos, divididos em realidade e conhecimento:

  • O Mundo Sensível ou ainda Mundo das Sensações [intuição sensível]: é o lugar da multiplicidade, do fluir, do movimento, do vir-a-ser; é, por conseguinte, ilusório, pura sombra do verdadeiro mundo, a coisa-em-si, que é incognoscível — do qual temos apenas representações decodificantes dos dados brutos da realidade, pelos nossos sentidos aferentes.
  • O Mundo Inteligível ou ainda Mundo das Formas [intuição intelectual]: é o lugar das essências imutáveis, que o ser humano atinge pela contemplação e pela depuração dos enganos dos sentidos, as (opiniões e crenças sobre as coisas observáveis). Portanto, como as ideias (formas platônicas) são as únicas verdades, o mundo dos fenômenos (sombras) ou (representações) só existe na medida em que participa [Teoria da Contingência] do mundo das ideias, do qual o dado bruto é apenas uma cópia.

2. A Analogia da Linha dividida.

Platão.

Platão em sua obra República Livro VI (509 a.C) concebe a analogia da Linha Dividida, juntamente com a analogia do Sol, compondo somadas à analogia da Caverna no livro seguinte República VII (512 a.C) — a tríplice relação da Teoria do Conhecimento.

Para Platão impreterivelmente há uma relação entre o Mundo das ideias e o Mundo das Sombras, isto é, referem-se ao conhecimento epistemológico e o doxológico.

Portanto, para o filósofo ateniense, existe uma dialética, ou o que se formará como uma Filosofia dialética, a única forma capaz de se elevar a alma [razão humana] das cópias múltiplas e mutáveis do mundo sensível.

Esta dialética, que em seu sentido geral, designa o conflito originado pela contradição entre princípios teóricos ou fenômenos empíricos; na Teoria do conhecimento platônico toma ares de conciliação, porquanto, Platão instaura, pelo processo dialético (dialógico), um debate entre interlocutores comprometidos com a busca da verdade (seu princípio socrático) oposto aos sofistas, por meio do qual a alma se eleva, gradativamente, das aparências sensíveis às realidades inteligíveis ou ideias.

Este processo se fará por meio de três argumentos centrais na Teoria das ideias, são eles:

  • Teoria da Reminiscência;
  • Teoria da Contingência (ou Participação);
  • Teoria do Conhecimento Verdadeiro.

Destes três argumentos, tratarei aqui somente do último, a Teoria do Conhecimento Verdadeiro, ou seja, demonstrativamente pela Analogia da Linha Dividida (República, livro VI). Esta tem a função de demonstrar os quatro graus do conhecimento, repartidos na linha central, são eles:

  • Na primeira classe do Conhecimento de opinião (Doxa): o grau de mais baixo nível é a (Arte) “imaginação”; no segundo nível da primeira classe ainda a (Filodoxia) “crença” — pertencentes ao Mundo das Sombras e “sensações”.
  • Na segunda classe do Conhecimento verdadeiro (episteme): o grau de mais baixo nível é a matemática ou a “ciência”, correspondente ao terceiro nível geral (ascendente ao supremo Bem pela dialética), já o quarto e último grau mais elevado, está a filosofia — pertencente ao Mundo das Ideias e “formas inteligíveis”.

No quadro acima podemos visualizar a linha completa de A — B, entre cortadas pelas secções D, C, E respectivamente, notando assim que o segmento A — C correspondente ao Conhecimento de opinião (Doxa), referindo-se ao primeiro domínio (A-D) da Eikasia “Arte” e também ao segundo domínio (D-C) a Pistis “filodoxia”.

Do mesmo modo no esquema do Conhecimento verdadeiro (Episteme), cujos pontos C — B determinam toda a sua faixa, notando assim que o segmento (C-E) corresponde ao primeiro domínio o da Diánoia “Ciência” ou matemática e o segundo segmento (E-B) refere-se a Nóesis “Filosofia”.

Isto fica mais claro quando se observa o quadro abaixo:

Como já dissemos, Platão compreende o Mundo por duas perspectivas, a do Mundo sensível (empírico) das coisas e opiniões e também o Mundo Inteligível (racional) das ideias e conhecimento verdadeiro das coisas.

Portanto, partindo da Arte, passando pela Retórica e a Ciência, o ser humano chegaria ao estado de Filosofia, por intermédio do método da dialética platônica a compreender verdadeiramente os mecanismos de compreensão do mundo e sua elevação ao supremo Bem.

No nível da Arte o ser humano apenas colhe imagens do mundo ao seu redor por meio da suposição, da percepção, da ilusão (formas aparentes) das coisas; senti os dados brutos com sua imaginação afectiva e a linguagem que dispõe, isto é, ainda opera a faculdade da imaginação para compreender a aparência (sombras) do mundo miticamente ou metaforicamente.

No segundo nível deste avanço dialético, sai-se do ambiente imaginativo das imagens (aparentes), observados pela técnica das Artes e entra no mundo dos Objetos individuais, isto é, da Crença, opera-se o saber instintivo ligado à opinião enraizada, aos costumes locais, à tradição, ao uso informativo, ao senso-comum e por fim à fé.

Estes dois estágios fazem parte do Mundo Sensível (Doxa).

Avançando neste processo criativo pela prática da dialética na ascensão da linha dividida, temos o primeiro estágio do Mundo Inteligível (Episteme), o qual, em seu segmento compreende-se a faculdade da racionalização operar a dedução pela linguagem da matemática, das geometrias, da ciência e da tecnologia, isto é, promovendo um conhecimento mais elevado do que a “Doxa” (opinião), pois parte de hipóteses variadas para o encontro das finalidades mais aguçadas.

No entanto, este estágio anterior permanece em uma racionalidade ainda presa às hipóteses para baixo; enquanto que no último estágio, o da Clarividência ou da Filosofia, a sabedoria é o operador (noético), cuja tomada de consciência investigativa amplia a compreensão do Belo inteligível = Arte; do Supremo Bem e Virtude = Justiça distributiva; e da Dialética = Filosofia platônica.

O Processo Criativo e de ascensão ao supremo Bem se conclui, portanto, quando se ultrapassa e abandona os estágios primeiros da “Doxa” e se adentra nos estágios mais superiores da Episteme, ou seja, a Sabedoria só é encontrada quando o conhecimento é científico e não opinativo, e quando, a ciência é formada pela intelecção (noesis) e não somente pela (dianoia) o raciocínio, elevando assim das conjecturas ilusórias das sombras, para a crença nos objetos visíveis, e destes para o raciocínio das entidades matemáticas e desta para o último nível da intelecção das ideias.

Se quiser ler um pouco mais sobre Platão, em Fédon, encontre-me neste link para o texto: “Requiem para a phronesis ou a morte do filósofo”.

E também no link do texto, “Problema XXX, I — Sobre a Melancolia — em Aristóteles”.

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Obg. Att. César Rangel

Referências bibliográficas:

BENSON, Hugh H. (org), Platão. Porto Alegre: ArtMed, 2011.
CASERTANO, Giovanni. O bem e a linha, in XAVIER, D. G. e CORNELLI, G. (org), A República de Platão: outros olhares. São Paulo, Loyola, 2011.
CORNELLI, G & LOPES, R., Platão. Imprensa da Universidade de Coimbra, 2018
FRONTEROTTA, F., BRISSON, L. Platão: leituras. São Paulo, Loyola, 2011.
PLATÃO. A República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbbenkian, 2001.
______. Fédon. Tradução de Carlos Alberto Nunes. Belém: EDUFPA, 2011.
______. Mênon. Tradução de Maura Iglesias. São Paulo: Loyola, 2001.
TRABATTONI, Franco, Platão. São Paulo: Annablume, 2010.

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César Rangel

Graduado em Letras (Unesp) e graduando em Filosofia (UFSCar), pesquisador e poeta. Além de ser um caminhante e perscrutador do V.I.T.R.I.O.L